Correspondência Poética: Rodrigo Ciríaco

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Rodrigo Ciríaco

A literatura tá na rua, tá no bar, tá no ponto de ônibus. A literatura tá em movimento, na periferia e na américa-latina toda. A literatura tá falada, tá almada, parece pessoa. A literatura voa em muitas vozes. Se aninha eu muitos corações. A literatura cria a cina de ser ação. Muda a cena. Debate o dilema no refrão. A literatura ta de pé no chão, correndo junto, juntando gente. A literatura mudou traço, foi pra linha de frente. A literatura está resistente. Ta mandigueira. A literatura num ta de bobeira não, jão.

Se liga só no Rodrigo Ciríaco recitando o conto ABC.
AH, MULEQUE-DOIDO!





Deus é brasileiro. Mas quem manda é o Marcola. É, ele é o patrão. Ah prussôr, eu não vou entrar não. Ele é quem manda. Tá bom, tá bom, já que o senhor insiste. Mas ó, não vou fazer lição. Ah, muleque-doido! Tô cansado. Quatro da manhã ainda era noite, Jão. Só fazendo avião. Depois, o Play 2. Não é mole não. O jogo é bravo. Exige concentração. Que fita que eu tenho? Daquela de tiro. Plá! Plá! Plá! Me imagino tipo com uma sete-meia-cinco. Mas logo mais eu tô com uma automática na mão. É, cê vai ver, doidão.

Ah prussôr, não vou fazer lição não. Não entendo nada mesmo. Tô cansado de ficar só copiando. Num sei lê, num sei escrevê. Contá? Contá eu conto, claro. Trabalho com dinheiro vivo. Se eu não contá quem é que garante a minha mesada? É, a vida é cara. Quem paga meu tênis, minhas roupa de marca? Quem? Pai e mãe num tenho. Já foi. Tudo morto. Só balaço. Mas eu nem ligo. Já cicatrizô. Nem choro. É rapá, homem não chora. Só Jesus chorou. O cara era gente fina, mas ó, muito pacífico. Comigo não, é na bala. Minha vida é na quebrada. E no esquema. Nem olhe pra minha cara. Olhô, plá! Levô tiro.

Quem guia a minha mão é o Marcola. Se eu já matei? Eh prussôr, da missa cê não sabe o terço? Já tenho treze anos pô. Sô bicho solto, bicho feito. Tô enquadrado. É, já tô viradasso. Já paguei até veneno. Um ano na FEBEM. Várias rebelião e o caralho. Tô aqui de L.A., só por causa do juiz. Mêmo assim, num tem quem me segura. Fico pelos corredor, só nas fissura. Dando umas volta, ganhando a fita. Estudá? Só entro na aula do senhor porque o prussôr é gente fina. Mas não estudo não. E só entro de vez em quando. É, não tem mais jeito, Jão. É feio ficar chorando pelo que se rebentô, já se estragô. Tem defeito. Minha vida agora é assim, só no arrebento. Mudá? Só se for de ponto. De vida eu não quero não. Tô bem, prussôr. Valeu a preocupação, satisfação.

Ah, muleque-doido! Ó, tô saindo. Cansei de ficar na sala de aula, na escola, sei lá. Aqui é tudo muito parado. Vou pra rua. Lá que é o barato. É. Lá eu já sou mestre.


conto do livro TE PEGO LÁ FORA,
de Rodrigo Ciríaco - Edições Toró, São Paulo, 2008
(O video acima foi uma realização do Correspondência Poética e do Bloco do Beco em parceria com o Ponto de Cultura MORARTE)

3 comentários:

Katia Portes Leão disse...

Educação pública: libertadora?

Não sei. Não sei. Não sei.

Mas as grades dos portões são grossas,
grossas,
grossas.

Anônimo disse...

concreto....grades e chaves....escondem a educação!!!

aurelio.vida disse...

Me sinto um estupido perto de tanta realidade.Eu acredito que a educação esta dentro de cada um de nós.Querendo ou não somos,todos, autodidatas.

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