Correspondência Poética: Coletivo

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Coletivo

Coletivo

Acordo, 
Ainda na asa do sonho 
O corpo mecânico 
Liga o chuveiro 
E é o meu sono que vai pelo ralo. 
 
Já desperto, mas não consciente 
Acelero o passo 
Num compasso alegro 
Meu corpo nem branco, nem negro 
Pardo pelas ruas. 
 
O trabalho me espreita 
O patrão me espera 
 
O primeiro ônibus rejeita 
O segundo acelera 
O terceiro passa lotado 
Mas no quarto eu entro 
Nem que seja apertado 
 
Peço licença 
Pra entrar no enlatado 
E já na malemolência desconjuntada 
Do bi-articulado 
Eu rolo a catraca 
E é o meu suor que vai pelo ralo 
 
Desfeito no grande embolo 
Somos farinha da mesma massa. 
Somos um grande coletivo 
Aflito com a hora que passa 
E com o dinheiro que não regressa. 
 
O engarrafamento 
Retarda a pressa 
Acelera a impaciência 
O correr do tempo 
Desenha minha sentença 
Na cara-carranca do patrão exaltado 
O salário será descontado 
Terei que pedir emprestado 
Sem saber como pagar 
E é minha saúde que vai pelo ralo 
 
Ainda alado 
Enlaçado com a imaginação 
Desfaço a carranca do patrão 
E o coloco ao meu lado 
No busão lotado. 
Será que ele viraria gente 
E esqueceria seu sangue europeu? 
Será que seria como eu 
Longe de seu papel de presidente? 
Mas existe um papel social 
Que nos mantém separados 
Ele na poltrona dele 
E eu no busão amassado 
E é meu orgulho que vai pelo ralo. 
 
Chego no ponto 
Ainda apressado 
Peço licença pra sair do enlatado 
Penso em acelerar o passo 
E me contenho 
Num compasso moderato 
Cansado da rotina 
Desgarro-me do contrato 
Acendo um cigarro 
E deixo fluir o passar da hora 
Sem arrependimento ou aflição 
E é a minha vida que transborda 
E vai pro ralo meu patrão.

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